Hoje lembramos, pelo Dia da Consciência Negra, as milhares de pessoas que perderam suas vidas devido a valores construídos e mantidos ao longo da história. Esses valores foram e são construídos nas trocas afetivas, sociais, políticas e econômicas, formaram e continuam formando em nossa sociedade, grupos humanos com ideias de superioridade em relação a outros grupos humanos.
Tais ideias produziram guerras, massacraram povos inteiros, eliminaram a infância, produziram o apagamento histórico de culturas e modos de fazer, curar, sentir e se relacionarem com o sagrado. Modos de desumanização se tornaram teorias científicas e dogmas religiosos, justificando ações de eliminação, manipulação e encarceramento de corpos humanos em nome da hegemonia de um grupo. Em nome da civilização, engendraram e retiraram o direito de ser e existir de todos os outros grupos considerados não civilizados.
De forma sutil, o processo de desumanização se tornou a regra, sendo manifestada, por exemplo, nas histórias infantis, seja pela ausência de personagens negros, ou pela presença de figuras negras estereotipadas. O padrão para os negros são imagens deturpadas, características psicológicas negativas, pouca inteligência e o cumprimento de papéis sociais subalternos.
De forma explícita, através do encarceramento em massa de jovens negros e da brutalidade genocida que as forças policiais levam para as periferias, favelas, guetos e comunidades, no Brasil e mundo afora. Se fosse possível fazer uma revisão sobre os processos judiciais, quantas pessoas não estão presas sem julgamento? Estão lá pelos julgamentos de valores baseados nos conceitos de raça. Julgamentos esses que acontecem em sociedades ditas civilizadas e democráticas.
De forma histórica, o colonialismo retalhou o continente africano, assassinou seus líderes, muitos deles pacifistas, que encabeçavam movimentos pela liberdade, e alimentou golpes de estado que se repetem continuamente.
Até quando os grilhões permanecerão algemando, calando, corrompendo e impedindo os seres humanos de crescerem livres e se expandirem em luz, bondade e beleza?
Até quando os gritos de liberdade serão calados pelas sociedades ditas civilizadas que se educaram sob a filosofia, a moral cristã e os conhecimentos científicos, mas que ainda exoneram grupos humanos de crescerem e se desenvolverem ancorados ao progresso, que é facultativo a toda sociedade humana?
Que nossas vidas sejam amparadas e cuidadas por todos aqueles que reconhecem no fundo de seus corações que a plenitude humana é a grande busca…
Quando dizemos que vidas negras importam, falamos sobre as vidas que sofreram e ainda sofrem as torturas da solidão, que viveram e ainda vivem no corpo as marcas da violência, discriminação e morte. Dizemos que vidas negras importam, porque essas vidas precisam ser poupadas de mais sofrimento, com medidas afirmativas, antirracistas, de reparação histórica para a ressignificação da dignidade humana, que foi perdida ao longo do caminho.
Finalizo com algumas citações que contribuem para que não descansemos de nossas lutas de estudos e ações, para que a regra nas trocas humanas sejam de maior equidade e a favor da vida:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda, por sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”- Nelson Mandela.
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade sem ela tão pouco muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos”- Paulo Freire.
“Que cesse para sempre a escravidão do homem pelo homem… Superioridade? Inferioridade?… Preto… Branco… Todos têm de se afastar das vozes desumanas de seus ancestrais respectivos, a fim de que nasça uma autêntica comunicação. Antes de engajar na voz positiva, há de ser realizada uma tentativa de desalienação em prol da liberdade. É através de uma tentativa de retomada de si e de despojamento… que os homens podem criar condições de existência ideais em um mundo humano…”- Frantz Fanon.
Elizabeth Leme Castilho Silva (Professora do Fundamental 1 na rede municipal de Piracicaba, e é aluna da turma 15 do curso de Pós Graduação em Pedagogia Espírita. Participa do Grupo Movimento Preto na pedagogia Waldorf, e do Beleza Preta, que faz um trabalho de resgate as mulheres negras com movimentos de empoderamento feminino).